De repente não tenho idade, e volto a ser criança por dentro, regresso a um mundo que já não é, e a outras noites quentes de céu estrelado, de harmonias e ternuras, dum silêncio povoado de grilos, de jasmins e madressilvas, volto a sentir essa ingénua certeza de que todas as coisas estão em ordem, estão onde têm que estar, em lugar seguro, e ainda são os mesmos os risos e os sonhos, com pais, irmãos e amigos que estão sempre ao meu lado.
Respiro devagar, de regresso a essa ilha perdida, e volto a sentir-me eu, volto a reconhecer-me, desaparecem as saudades e os medos, para de novo ser tudo fácil e possível até que amanheça outra vez e as estrelas se apaguem.
Porque a Lua iluminou tudo e não viu nada, não tem memória, volto com ela à casa grande da inocência e da alegria, ao primeiro beijo, ao primeiro amor ou a esse tango que foi um sonho de vida — ou a essa vida que foi um sonho de tango — que mais dá, que importa já nada?
Tudo mudou, menos a Lua, "Luna mía de ayer / hoy de mi olvido", R. Alberti.
A Lua é boa companheira porque renasce em cada noite de Agosto como se não levasse aí uma eternidade, como se não tivesse visto naufragar tantas certezas, ela não sabe nada do que nos deram e nos roubaram os anos.
..."Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste Verão.
(David Mourão Ferreira)
É porque o tempo ensina e a gente aprende, que deixamos de aferrar-nos a sonhos impossíveis, e como dizia Borges, "aprendemos a cultivar o nosso próprio jardim, em vez de esperar que outros nos levem flores".